Nas teias do Império


Sibilina, a voz do Poeta em Mensagem traduz, em larga medida, uma certa forma de sentir moderna em torno do enredamento do Império português, tal como se apresentava à época, no início do século  XX.

De facto, Fernando Pessoa soube conjugar na sua obra épico-lírica tanto de utopia (vaticinando o império a vir) como de representação histórica (evocando a grandeza do passado). E, porque razão evoco quer o Poeta quer a obra para esta reflexão em torno do modelo imperial português? A razão é simples: modernamente, a dimensão do império nacional conquistou uma dimensão utópica. Não se trata apenas de, como Fernando Pessoa o perspetiva, o império futuro, o império que surge profetizado em António Vieira ou em Bandarra; trata-se também como utópico o império passado. Utópico, porque desfeito, quebrado, sonho perdido.

Mas talvez que esta dimensão de utopia desfeita – que é sempre o destino de todo o sonho que se materializa – não seja completamente verdadeiro. É, novamente, Fernando Pessoa que o perspetiva de novo: “a minha pátria é a língua portuguesa”. E, ao afirmá-lo assim, nesta medida de grandeza, o sonho imperial ganha um novo significado e amplia-se, conquistando a raiz do indivíduo naquilo que cada um tem de mais pessoal, único e irreptível: a sua língua materna. Conta-se, neste sentido, a história do indivíduo que falava tantas línguas que ninguém conhecia a sua nacionalidade; mas, na emergência de um desastre, o idioma em que se exprimiu “traiu” aquele que era o segredo que ele pretendia guardar: a língua materna é a expressão mais íntima e mais natural do ser humano e dela irradia a sua natureza.

Deste modo, podemos considerar que existe no presente, no nosso século XXI, um verdadeiro Império, construído não na conquista de territórios e no domínio político e económico de países, mas construído com base num domínio ao qual poderemos chamar cultural ou, se preferirmos, de natureza linguística. E, neste sentido, a dimensão da língua portuguesa no mundo é extraordinária. Ela é o quarto idioma mais falado.

Teria esta realidade atual sido possível sem as formas labirínticas de um passado histórico que remonta ao século XV? Evidentemente que não. E foi nesta altura que a natureza utópica, que preside à alma portuguesa, se começou a formar. Digamos que a dimensão da utopia corresponde á dimensão do sonho. Corresponde à capacidade de projetar um ideal, uma realidade consumada numa forma de perfeição modelar, tal como representado, por exemplo, na demanda do reino do prestes João.

Naturalmente, quer num caso quer no outro há uma dimensão milenar – os mitos do paraíso, da idade de ouro, perdidos – o ato de sonhar um paraíso na Terra é ainda uma dimensão do presente e parece acompanhar a natureza do ser humano. No caso português, podemos dizer que este abrangência do sonho se cruzou com a dimensão da realidade. De facto, através dos mares, atravessando os oceanos, os portugueses estenderam a pátria: consumaram o sonho, realizaram a utopia. Não encontraram contudo o reino perfeito e o império territorial foi perdido. Mas ficaram as marcas da sua presença um pouco por todo o mundo. E, mais do que tudo, ficou a língua. Língua essa que une no presente o pensar ao sentir de milhões de indivíduos.


Mas, ainda no presente, temos, atualíssimo, o fenómeno migratório. A presença dos nossos jovens quer no espaço europeu quer nos espaços extra-europeus é uma realidade. E é nesta teia imperial que se consuma uma talvez nova diáspora portuguesa, afinal, um pouco por toda a parte, um português reside, trabalha, estuda, e, tal como no passado, deixa indeléveis marcas da sua nação: talvez seja esta a nova utopia do presente – todo o planeta a nossa casa.



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