A Arte de Amar dos Trobadors

 

 «Essas volucres amo, Lídia, rosas»

Ricardo Reis


Ao contrário do tanto que é efémero como a vida, o tema do Amor nos Cancioneiros Medievais mergulha nessa dimensão outra da constância de um afeto que os trovadores eternizaram nos seus cantares à sua senhor.

 O canto do amor, nestas composições à imitação provençal, é, nas mais das vezes, sublime e evidencia a expressão de um sentimento de apreço por uma mulher que é idealizada e objeto de admiração e de devoção. Deste modo, mais do que pretender ser admitido na intimidade da senhor, o trovador deseja expressar a sua fidelidade a uma paixão que se exprime no comprazimento da dor, na coita de amor, por não ser amorosamente correspondido.

Como uma madona divinizada, a mulher é colocada num plano de absoluta superioridade, física e moral, e, por isso mesmo, também a dimensão do amor que o trovador enuncia está nesse patamar de elevação superior que não se coaduna com uma recompensa amorosa de natureza material. É assim, mais do que um cantar que faz o enaltecimento de uma mulher, um cantar que religa o trovador, através do amor que expressa, a um propósito de redenção pessoal, manifestado, quase religiosamente, na expressão «morrer de amor». Através da sua senhor, mulher abstrata, que serve ao sofrimento do trovador, o mesmo encontra nessa dor a catarse purificadora que o eleva, também a ele, superiormente, redimindo-o e podendo, desta forma, alcançar uma salvação.

Pode-se, então, afirmar que o distanciamento físico entre o trovador e a dama que é objeto da sua paixão é fundamental para demonstrar que a mesma é um objeto inacessível e que só pode ser encarada como objeto de apuramento de um sofrimento de máxima intensidade para alcançar a virtude maior, que é a sublimação dos instintos; ou seja, daquilo que, de alguma forma, é considerado inferior, porque, revestido de uma dimensão carnal, se afasta da virtude espiritual que é o amor contemplativo. Esta forma de amar não é senão que um longa e profunda aprendizagem de um ascetismo cristão, que o trovador assume quase como uma espécie de iniciação aos mistérios maiores do cristianismo; e, do mesmo modo que o trovador está ao serviço da dama, prestando vassalagem amorosa à sua senhor, serve também no mesmo grau de fidelidade a um plano superior, através de uma purificação dos sentidos, que não permite que o afeto amoroso carnalmente se concretize.

Deste modo, a virtude maior do trovador é manter secreto o seu amor, à margem do desejo de obter qualquer espécie de galardão amoroso da parte da mulher amada, enquanto manifestação de «um fazer bem», que a concretizar-se se inscreveria no domínio de uma relação social normal – a de amante - ; e que anularia por completo o plano devocional, de matriz religiosa, em que assenta esta arte de amar.

É nesta dimensão de espiritualidade que o trovador apresenta a subserviência à sua senhor, como quem empreende um culto em que elege uma mulher para concatenar nela um sentido escondido na forma de uma devoção amorosa. E, justamente, é este amor que é capaz de transfigurar aquele que ama e que confessa poeticamente que eternamente aguarda por um sinal que glorifique o seu sofrimento.

Assim se pode concluir que o trovador subordina todo o seu sentimento amoroso a um plano espiritual, em que, sublimada a pulsão instintiva, o trovador se mostra purificado das instâncias terrenas e pronto para ascender a essa dimensão outra da existência, que, sendo superior, é idealmente igualada à mulher e a ela se ajoelha.   

             

 

 


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