Do outro lado do espelho ou o universo mágico em Fernando Pessoa
Apontamentos
a partir de uma leitura
da carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro de 13 de janeiro de 1935
Vila Nova, 3 de Dezembro de 1935 – Morreu
Fernando Pessoa. Mal acabei de ler a notícia no jornal, fechei a porta do
consultório e meti-me pelos montes a cabo. Fui chorar com os pinheiros e as
fragas a morte do nosso maior poeta de hoje, que Portugal viu passar num caixão
para a eternidade sem ao menos perguntar quem era.
Miguel Torga
(Diário, publicações Dom Quixote)
Quis
a Fortuna que, neste final do mês de julho de 2021, eu me encontrasse, em boa
hora, mergulhada no estudo de Fernando Pessoa. A necessidade de obter créditos
de formação até dezembro do corrente ano, por motivos de natureza profissional,
conduziu-me aos cursos da Escola de Verão da Universidade Nova; escolhi, em
primeiro lugar, o curso sobre a Teoria do Conto, por acreditar poder colher
nesta matéria elementos novos e enriquecedores para a minha prática letiva. O
curso foi cancelado. Das duas hipóteses possíveis, reaver o dinheiro (o vil
metal) ou inscrever-me num outro curso, optei pela segunda hipótese e escolhi,
então, a turma B do curso de Fernando Pessoa. Não era convicção minha que
viesse a acrescentar muito mais conhecimentos àqueles que eu dispunha sobre a
vida e a obra de Pessoa. Mas como redondamente me enganei! Tudo (quase tudo) no
curso foi uma revelação de saberes e a minha ignorância sobre o assunto era,
afinal, flagrante.
Começarei
este meu trabalho pelo que é óbvio – falar de Fernando Pessoa é o maior dos
desafios e mesmo tendo passado quase cem anos desde a sua morte o Poeta mantém-se
misterioso e imperscrutável. Não escapa a esta regra a sua correspondência
pessoal, da qual a conhecida carta a Adolfo Casais Monteiro, de 13 de janeiro
de 1935, mais citada como a «carta da génese dos heterónimos», é um exemplo
paradigmático. Afirma Eduardo Lourenço que «Custa-me imaginar que alguém possa
um dia falar melhor de Fernando Pessoa que ele mesmo. Pela simples razão de que
foi Pessoa quem descobriu o modo de falar de si tomando-se sempre por um outro»
(pág. 9, Fernando, Rei da nossa Baviera,
1986). Mas será rigorosamente exata esta constatação de Eduardo Lourenço? Ou
será que, falando de si mesmo e sobre si mesmo e sobre a sua obra, Pessoa não
procura manter como que inviolável o universo enigmático e mítico pessoal que
constrói?
Julgo
poder responder que «sim». Esta «descoberta» de Pessoa sobre o modo de falar de
si mesmo enquanto um outro representa, na verdade, mais uma das imensas peças
do puzzle, de que é feito o todo da sua obra. Tomarei, então, como base para a
realização do presente trabalho, a carta a Casais Monteiro, que tão debatida
foi ao longo das diferentes sessões do curso, e procurarei, nesse sentido, coligir
apontamentos e fazer reflexões sobre alguma da matéria já tão tratada por
eminentes críticos.
I
«Suponha – e fará bem em supor,
porque é verdade – que estou simplesmente falando consigo». É deste
modo que Fernando Pessoa encerra o que poderemos chamar longo preâmbulo da sua
carta a Casais Monteiro, antes de aprofundar e responder às três questões que
lhe tinham sido colocadas pelo seu «camarada» de letras.
Na
citação anterior, que faz parte de um extenso parêntesis, que vale a pena
recordar na totalidade
(Interrompo. Não estou doido nem
bêbado. Estou, porém, escrevendo diretamente, tão depressa quanto a máquina mo
permite, e vou-me servindo das expressões que me ocorrem, sem olhar a que
literatura haja nelas. Suponha – e fará bem em supor, porque é verdade – que
estou simplesmente falando consigo)
podemos
verificar que, embora, certamente, ciente da relevância e importância que a carta
que está a escrever tem, Fernando Pessoa pretende dar ao articulado do seu
texto um carácter que poderíamos considerar informal,
como se se encontrasse com o seu «camarada» e amigo numa mesa de café do
Martinho da Arcada, discorrendo sobre aspetos da sua vida e obra e fosse
deixando libertar uma ou outra ideia numa troca de impressões casual e
fortuita, feita ao sabor de uma contingência de conversa.
Na
verdade, Pessoa pretende afirmar, neste texto, que está a ser espontâneo e
natural, «sem olhar a que literatura
haja» nas suas palavras. Ou melhor dizendo, sem que o outro, ou outros,
possam antever no que diz e afirma o estranhamento ou fingimento poético que o ato de fazer literatura congrega, tanto
mais no seu caso particular. Assim, colocada a ênfase na espontaneidade do que
escreve (como um natural fio de pensamento correndo), o Poeta procura afastar
da sua missiva a presunção de que possa existir um artifício literário que vele
a sua Verdade.
E
que Verdade é esta, afinal?
Que
Verdade quer deixar Fernando Pessoa de si para a posteridade?
A
primeira ideia, apresentada neste como que preâmbulo da carta, é que a sua «estreia» a nível das suas publicações
com a obra Mensagem não correspondeu
a um plano, ou projeto, pessoal. Aconteceu, enquanto facto aleatório e imprevisto,
tal como fortuita também pretende que tenha sido a sua participação no prémio
do Secretariado de Propaganda Nacional. Mas, e isso é muito importante de
sublinhar, o Poeta deixa antever, desde logo, algo mais, escrito quase como um
apêndice da sua ideia, mas que, lembrando desde já a última parte da sua carta,
aquela parte que o Poeta não desejaria que fosse tornada pública, é deveras
assinalável. E é o seguinte:
«O que fiz por acaso e se completou
por conversa, fora exatamente talhado, com Esquadria e Compasso, pelo Grande
Arquiteto».
E
deste modo termina, o que se pode chamar o seu preâmbulo, com uma nítida alusão
ao carácter singular da sua própria obra, investindo-a a ela, e a si mesmo
também, podemos dizer, de um carácter místico e profético, como está evidente
no poema, da terceira parte da obra Mensagem,
«Screvo meu livro à beira-mágoa./ Meu coração não tem que ter./ Tenho meus
olhos quentes de água./ Só tu, Senhor, me dás viver.// Só te sentir e te
pensar/ Meus dias vácuos enche e doura./ Mas quando quererás voltar?/ Quando é
o Rei? Quando a Hora?// Quando virás a ser o Cristo/ De a quem morreu o falso
Deus,/ E a despertar do mal que existo/ A Nova Terra e os Novos Céus?».
Este
é o primeiro momento da carta a Adolfo Casais Monteiro em que Pessoa associa a
sua obra, e por inerência se associa a si mesmo, ao destino mítico da Nação
Portuguesa. Mas, como irei apresentar mais à frente, há um outro momento
talvez, embora mais velado e menos direto, em que o Poeta torna a mostrar como
a sua vida e o seu próprio destino pessoal se confundem com essa pátria que,
estando investida de uma missão, cumpre um propósito «talhado com Esquadria e Compasso» no teatro do mundo.
II
No plano da carta a Adolfo Casais Monteiro,
após o longo preâmbulo inicial, segue-se uma estrutura tripartida, imposta,
digamos assim, pelas três perguntas de Casais Monteiro. Assim, Fernando Pessoa
irá abordar os seguintes temas: 1) plano futuro da publicação das suas obras;
2) génese dos seus heterónimos; 3) ocultismo. Como podemos observar, as
perguntas colocadas pelo «camarada» e amigo do Poeta inscrevem-se em muito numa
esfera íntima e de natureza pessoal, dimensão esta que Pessoa aceita revelar;
embora, como referi anteriormente, o Poeta apresente apenas a Verdade que quer
deixar para a posteridade. E, neste ato de vontade própria, encontra-se,
justamente, a medida do seu génio e grandeza ímpares. Ou, como afirma Eduardo
Lourenço, «Uma obra de génio não é um pasto todo preparado para a ruminação
obrigatória da ‘cultura’. É um desafio, é até um precipício para quem não tem
asas para atravessar o natural abismo que ela representa, como escreveu
Nietzche» (pág. 22, Pessoa Revisitado,
2000). Assim é, de facto. Toda esta carta de Fernando Pessoa e sobretudo a
segunda parte, representada pela resposta à pergunta sobre a génese dos
heterónimos, núcleo fundamental deste texto, é deveras desafiadora e contribui
para elevar o Poeta à categoria de criador de mitos; nomeadamente de si mesmo e
para si mesmo e para todos nós.
Centro-me, então, agora, na segunda parte da
carta, respeitante à génese dos heterónimos.
Diz
Fernando Pessoa:
«Começo pela parte psiquiátrica. A
origem dos meus heterónimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não
sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um
histero-neurasténico. […] sou homem – e nos homens a histeria assume
principalmente aspetos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia…»
E
o que nos quer o Poeta revelar com isto? Não se trata, naturalmente, de se
assumir como possuidor de um quadro de uma doença mental incapacitante. Antes
pelo contrário, o que Pessoa quer evidenciar é que existe nele uma natureza
própria, uma disposição orgânica particular, um traço de cunho inato que o
distingue enquanto indivíduo dos outros seres. Esta particularidade, ou melhor,
esta especificidade própria, investiu-o como poeta, poeta de génio.
Fernando
Pessoa continua:
«Isto explica, tant bien que mal, a
origem orgânica do meu heteronimismo […] Desde criança tive a tendência para
criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que
nunca existiram. […] Esta tendência, que me vem desde que me lembro de ser um
eu, tem-me acompanhado sempre, mudando um pouco o tipo de música com que me
encanta, mas não alterando nunca a sua maneira de encantar».
Mais
uma vez, o Poeta parece querer sublinhar que há na génese dos heterónimos um
enquadramento que para si mesmo é como uma situação natural, espontânea, que
não é arquitetada por si, mas que como que se desprende de si mesmo. «Desde criança» ou «desde que me lembro de ser um eu» são expressões que servem apenas
para destacar a ausência de artificialidade neste processo. Como se ele,
Fernando Pessoa, fosse um mundo gerador de mundos, um ser gerador de seres, um
poeta gerador de poetas, do mesmo modo que uma semente germina e floresce –
naturalmente, portanto.
Um
pouco mais à frente, na carta, dirá:
«Vou entrar na génese dos meus
heterónimos literários, que é, afinal, o que V. quer saber […] foi em 8 de
março de 1914 – acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a
escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta a tantos
poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi
o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim».
Também
aqui, tal como no todo da carta, tudo parece querer apontar para o que é
natural e espontâneo; para essa dimensão da natureza maior, onde só intervém o «Grande Arquiteto», que dispõe as peças
no plano do mundo. Ou seja, foi «numa
espécie de êxtase» (de aparição ou de revelação superior) que os seus
heterónimos literários surgiram. Primeiro, Alberto Caeiro, «o mestre», depois, «instintiva
e subconscientemente», Ricardo Reis e Álvaro de Campos, discípulos de
Caeiro. Mas para esta como que revelação de natureza superior ser ainda mais
completa e absoluta, o Poeta dirá por outro lado, neste significativo parágrafo
da carta, «aparecera em mim o meu mestre»,
referindo-se a Alberto Caeiro. Esta é a Verdade que Fernando Pessoa quer deixar
para a posteridade. Ou seja, há uma espécie de transcendência (universo mágico, portanto) na génese dos
seus heterónimos literários. Não basta a ele, Fernando Pessoa, ter em si mesmo,
e congregar em si, uma natureza particular, também ao nível dos seus
heterónimos literários sucede uma marca de sublime diferenciação enquanto
poetas. Já que são sinal de uma transcendência superior. Não bastando tudo
isto, ainda é apresentado um outro aspeto deveras significativo e que tem
merecido dos críticos e estudiosos da obra de Fernando Pessoa a maior atenção.
Refiro-me à data, dia, mês e ano, (8 de março de 1914), que Pessoa quis deixar
assinalado, como o momento «triunfal»
da sua existência, único e irrepetível na sua vida, o dia do «êxtase», ou seja do prazer, gozo de
natureza mental, fruto de uma superioridade do espírito que se manifestou em si.
Como
já referi, muitos têm sido os estudiosos desta carta e, muito
significativamente também, é consensual, a consideração de que a data de dia 8
de março de 1914 não tem consistência material em relação à base de elementos
do espólio de Fernando Pessoa respeitante à obra O Guardador de Rebanhos de Alberto Caeiro, «Abri com um título, O Guardador de Rebanhos», «E escrevi trinta e tantos poemas a fio», diz-nos o Poeta na sua
carta. Mas este livro de poemas terá sido escrito ao longo de um período de
tempo largo e significativo e as emendas, alterações e correções, feitas pela
mão do escritor, deixam antever que não se tratou de uma escrita de jato ou de
rajada mediante uma inspiração de natureza superior, num dado dia e momento
particulares. Então, porque entende Pessoa destacar, com tal relevância, esta
data, e enunciá-la, e anunciá-la, como «Foi
o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim». Mais uma
vez é a sua Verdade que ressalta. A Verdade que o Poeta quer transmitir. Deixar
como mensagem de si mesmo aos outros.
Pelo
significado desta referência temporal, 8 de março de 1914, importa que me detenha
um pouco e que reflita sobre um seu sentido possível, a partir de leituras que
realizei um pouco ao sabor do acaso e da Fortuna.
Abro,
então, um parêntesis, para me deter, em algumas linhas, sobre a data de 8 de
março de 1143, data associada do ponto de vista ocultista à fundação de
Portugal.
(Em alguns círculos ocultistas, o tema
astrológico de Portugal é feito a partir da data de 8 de março de 1143, no
momento em que, encontrando-se o Sol no signo de Peixes, no grau 17, é possível
obter, neste tema astrológico da nação, o suporte simbólico, na linguagem da
astrologia, para o destino mítico associado a Portugal. Desconhece-se se esta
data tem um acontecimento histórico por detrás, mas, existindo ou não esse
acontecimento histórico, o que é certo é que a mandala, que representa o tema
de Portugal para aquela data, aponta para uma missão de transcendência da
nação, configurando, simbolicamente, o que poderemos chamar de alma portuguesa.
Surpreendentemente, ou não, Fernando Pessoa aparentemente sabia disto; tanto
que o Poeta realizou o tema astrológico de Portugal, segundo afirma Manuel J.
Gandra, no seu livro Da Face oculta do
rosto da Europa, pág. 61, justamente para o dia 8 de março de 1143; mas
afirma Manuel J. Gandra, fazendo um reparo sobre este levantamento astrológico
de Fernando Pessoa, «considero que não convém considerar o horóscopo de
Portugal para o dia 8 de março de 1143 (onde, por sinal, o Sol ocupa, no Meio
do Céu, o grau 17 de Peixes) o mapa astral do nascimento de Portugal»).
Polémicas
à parte, de natureza ocultista, o que parece ser certo é que Fernando Pessoa
considerou como importante para a nação portuguesa a data de 8 de março e
conferiu-lhe um significado simbólico.
E,
agora, voltamos ao que importa analisar que é a carta de Fernando Pessoa a
Adolfo Casais Monteiro, e voltamos à data que é destacada na missiva como que
revestida de um significado maior: o significado de «dia triunfal» na vida do Poeta. Que Verdade nos quer Pessoa
transmitir com a referência ao dia 8 de março de 1914? O que importa reter em
relação a este dia? Desejaria Fernando Pessoa associar-se, e à sua obra,
através do dia 8 de março, ao destino mítico da nação portuguesa? Ou a data de
8 de março de 1914 tem qualquer um outro significado simbólico, do ponto de
vista pessoal, e astrológico, para o Poeta? O que é certo, seguramente certo, é
que a precisão com a qual Fernando Pessoa assinala o «dia triunfal» da sua vida deve ser encarada como tendo um sentido,
senão factual (em termos de um acontecimento real), pelo menos de natureza
simbólica.
III
Justamente,
é com esta dimensão de natureza simbólica, que se inscreve num universo mágico, tal como destaco no título
atribuído por mim a estes apontamentos, que quero finalizar.
E
tomarei como ponto de partida o post
scriptum da carta a Adolfo Casais Monteiro:
«Outra coisa. Pode ser que, para
qualquer estudo seu, ou outro fim análogo, o Casais Monteiro precise, no
futuro, de citar qualquer passo desta carta. Fica desde já autorizado a
fazê-lo, mas com uma reserva, e peço-lhe licença para lha acentuar. O parágrafo
sobre o ocultismo, na página 7 da minha carta, não pode ser reproduzido em
letra impressa. Desejando responder o mais claramente possível à sua pergunta,
saí propositadamente um pouco fora dos limites que são naturais nesta matéria.
Trata-se de uma carta particular, e por isso não hesitei em fazê-lo. Nada obsta
a que leia esse parágrafo a quem quiser, desde que essa outra pessoa obedeça
também ao critério de não reproduzir em letra impressa o que nesse parágrafo
vai escrito».
Como
é evidente, podemos observar que, se por um lado, ao longo da carta, Fernando
Pessoa ia afirmando que escrevia espontaneamente e naturalmente, como se
estivesse a conversar (e isto faz-nos recordar a expressão da boca para o ouvido, tal como proclama o preceito ocultista,
respeitante à forma de transmissão dos conhecimentos mais importantes da
sabedoria arcana); por outro lado, ele construiu um texto todo ele pensado,
tendo em conta um propósito: «para
qualquer estudo seu, ou outro fim análogo», diz-nos o Poeta. Ou seja,
Fernando Pessoa estava devidamente consciente que esta sua carta, «no futuro», seria tornada pública e
objeto de estudo e análise no que à singularidade da sua obra, e à singularidade
de si mesmo, ela se refere.
Quanto
ao ocultismo… pois bem, essa dimensão, tal como procurei refletir, ao longo
destes apontamentos, encontra-se, no fundo, presente desde o início da carta,
com a alusão ao «Grande Arquiteto»
ou, no final, ao «Ente Supremo» ou «Grande Arquiteto do Universo». Diz,
também, não pertencer a «Ordem Iniciática
nenhuma»; mas, ao mesmo tempo, assinala três caminhos possíveis «para o oculto», dos quais poderemos
destacar o «caminho alquímico», que
Fernando Pessoa considera ser «o mais
difícil e o mais perfeito de todos». Justamente esta era a parte da carta
que Pessoa admitia que pudesse ser lida e escutada, mas não posta a circular,
enquanto texto impresso. Como sabemos, isso não sucedeu e este, tal como muitos
outros escritos ocultistas do Poeta, são do domínio público, encontrando-se
impressos em livros.
Termino,
finalmente, com a evidência que, nesta carta a Casais Monteiro, Fernando Pessoa
se apresenta de uma forma ímpar como o homem de génio que soube ser em todos os
momentos da sua vida. Testemunho da singularidade de uma existência, testamento
literário, afirmação de uma predestinação sublime tudo isso se pode encontrar
nesta missiva, na qual Pessoa se olha no espelho e, do outro lado, se vê como
quem, magicamente, misteriosamente, encara outros seres, outras naturezas,
outras vidas, habitantes, ou não, de mundos superiores. E em que, sempre
olhando, poeticamente se transfigura.