Esparsas e Fragmentos (I) Alberto Caeiro




«Quando me sento a escrever versos
Ou passeando pelos caminhos e pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado na mão
E vejo um recorte de mim
No cimo do outeiro»
(Poema Primeiro, de O Guardador de Rebanhos)

Será sempre singular a sina de um Poeta que, como Alberto Caeiro, tem no seu pensamento a raiz e substância do ato poético. Sentado a escrever, passeando pelos campos, olhando, vendo e sentindo, o Poeta desfruta, como uma primazia, da natureza do que na sua mente vai sendo construído momento a momento e etapa a etapa. E, disso, dessa forma de pensar, que é natural e que é simples, porque dela emerge uma serenidade, eclodem os versos; que não são senão uma correnteza de ideias que são o espelho da tranquila Paz que cerca este Poeta, que vive e se movimenta num espaço natural, são e bom. Por isso, porque a sua integração é perfeita e completa no espaço natural, o Poeta se identifica de tal modo com esse mesmo espaço que, olhando o outeiro, ele pode ver nele um recorte de si próprio. O universo perde, assim, o sentido de elemento externo que é e confunde-se com a paisagem humana, ou seja o Ser, do próprio Poeta. E, deste modo, os versos que são pensados e escritos resultam desta espécie de harmonia cósmica, que, sem sofrimento, nem mágoa, nem dor, nem revolta, traçam, no pensamento do Poeta, um mapa de existência serena e natural. Tão serenamente e tão naturalmente quanto, da Natureza, o seu pensamento faz parte.  

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